Órgão julgador: Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 14/9/2022).
Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006
Ementa
RECURSO – Documento:7074217 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5023419-26.2021.8.24.0020/SC DESPACHO/DECISÃO 1. Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MPSC contra sentença que extinguiu, sem resolução de mérito, Ação Civil Pública ajuizada em face do Município de Criciúma para compelir o ente municipal à regularização do loteamento informal denominado “Paraíso II”, localizado no Bairro Paraíso. A ação teve por objetivo assegurar a adoção de medidas necessárias à regularização integral do empreendimento, abrangendo aspectos urbanísticos e ambientais, de modo a garantir a conformidade com as normas da Lei n. 13.465/2017 e demais diplomas correlatos.
(TJSC; Processo nº 5023419-26.2021.8.24.0020; Recurso: recurso; Relator: ; Órgão julgador: Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 14/9/2022).; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:7074217 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5023419-26.2021.8.24.0020/SC
DESPACHO/DECISÃO
1. Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MPSC contra sentença que extinguiu, sem resolução de mérito, Ação Civil Pública ajuizada em face do Município de Criciúma para compelir o ente municipal à regularização do loteamento informal denominado “Paraíso II”, localizado no Bairro Paraíso.
A ação teve por objetivo assegurar a adoção de medidas necessárias à regularização integral do empreendimento, abrangendo aspectos urbanísticos e ambientais, de modo a garantir a conformidade com as normas da Lei n. 13.465/2017 e demais diplomas correlatos.
O Juízo de primeiro grau julgou extinto o feito, com fundamento no artigo 485, VI, do CPC/15, por entender configurada a perda superveniente do interesse processual, ante a notícia de conclusão do procedimento administrativo de Regularização Fundiária Urbana (REURB-S) promovido pelo Município, que teria suprido as irregularidades indicadas na inicial (ev. 100, 1G).
Inconformado, o Ministério Público apelou, alegando, em suma, que: (I) a sentença violou o princípio da vedação à decisão surpresa, previsto nos artigos 7º, 9º e 10 do CPC/15, pois o fundamento de perda do interesse processual não foi previamente submetido ao contraditório; (II) não houve efetiva regularização fundiária do loteamento, uma vez que o Município não comprovou o cumprimento integral das exigências legais previstas na Lei n. 13.465/2017, especialmente quanto às compensações e melhorias ambientais em área de preservação permanente e às medidas de saneamento básico; (III) persistem irregularidades ambientais e urbanísticas que impedem o reconhecimento da perda do objeto, notadamente a ausência de recuperação da área de preservação permanente, a manutenção de edificações em faixa non aedificandi e a falta de comprovação de ligação dos efluentes sanitários ao sistema público de esgoto, o que evidencia a necessidade de continuidade da tutela jurisdicional (ev. 107, 1G).
Ao final, requer o provimento do recurso para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que o feito tenha regular prosseguimento.
Apresentadas as contrarrazões (ev. 111, 1G), a Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo conhecimento e provimento do recurso, em parecer subscrito pelo Dr. Durval da Silva Amorim (ev. 8, 2G).
Vieram os autos.
2. Conheço do recurso, pois próprio e tempestivo, e lhe dou provimento.
De início, afasto a preliminar de lesão ao princípio da não surpresa (arts. 9º e 10, CPC), relacionada com o alcance material do procedimento de Regularização Fundiária Urbana (REURB).
O Ministério Público, após ser intimado da notícia de conclusão do procedimento, manifestou-se expressamente sobre sua incompletude, invocando pendências ambientais e de infraestrutura (ev. 97, 1G). O Juízo de origem enfrentou essa tese e decidiu de forma fundamentada em sentido contrário, entendendo suficiente a regularização. O tema foi objeto de contraditório efetivo, o que afasta a caracterização da decisão surpresa sob esse aspecto.
Na linha da jurisprudência do STJ, a "vedação à decisão surpresa não significa que o julgador deve consultar as partes antes da cada solução dada às controvérsias apresentadas, especialmente quando já lhes foi dada oportunidade para apresentar manifestação, tendo se estabelecido o contraditório" (STJ - AgInt no AREsp n. 1.914.541/MG, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 14/9/2022).
Superada a preliminar, cumpre examinar o acerto do fundamento material da sentença, que entendeu configurada a perda superveniente do interesse de agir diante da conclusão do procedimento de Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social (REURB-S) promovido pelo Município.
A decisão recorrida partiu da premissa de que a regularização se aperfeiçoa com a emissão da Certidão de Regularização Fundiária (CRF) e com a titulação dos ocupantes, tratando as pendências ambientais e de infraestrutura como matérias estranhas ao objeto da ação civil pública. Essa compreensão, contudo, não se sustenta à luz da Lei n. 13.465/2017, especialmente dos artigos 11, § 2º, e 35, incisos VI, IX e X, que estruturam o procedimento e definem o conteúdo obrigatório do Projeto de Regularização Fundiária (PRF).
A REURB-S é um procedimento de natureza complexa e integradora, voltado à incorporação de núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial e à superação de passivos urbanísticos e ambientais, de modo a concretizar a função social da propriedade e da cidade. Nessa modalidade, voltada a populações de baixa renda, o Poder Público municipal é o principal responsável pela execução das obras de infraestrutura e pelas medidas de compensação urbanística e ambiental, assumindo tais obrigações como promotor do processo de regularização.
O artigo 11, § 2º, da Lei n. 13.465/2017 estabelece que, quando o núcleo urbano estiver situado total ou parcialmente em Área de Preservação Permanente (APP), é obrigatória a elaboração de estudos técnicos que justifiquem as melhorias ambientais em relação à ocupação anterior, inclusive por meio de compensações ambientais, quando for o caso. Trata-se de imposição cogente, que não pode ser dispensada pela mera conclusão da fase registral.
Esses estudos, a cargo do Poder Público responsável pela REURB-S, integram o Projeto de Regularização Fundiária (PRF), que, conforme o artigo 35, inciso VI, deve conter proposta de soluções para questões ambientais e urbanísticas, inclusive de reassentamento, quando necessário. O mesmo artigo exige, no inciso IX, a apresentação do cronograma físico de implantação das obras de infraestrutura essencial e das compensações urbanísticas e ambientais definidas por ocasião da aprovação do projeto, e, no inciso X, o correspondente Termo de Compromisso, a ser firmado pelos responsáveis públicos ou privados pelo cumprimento dessas obrigações.
Tais dispositivos deixam claro que o REURB não se limita à regularização jurídica da posse ou à abertura de matrículas, mas exige o atendimento integral dos requisitos ambientais e urbanísticos previstos no PRF e a formalização do Termo de Compromisso que assegure sua execução. A inexistência ou inobservância desses instrumentos — notadamente quando o núcleo incide sobre APP — impede o reconhecimento da regularização plena e, por consequência, afasta a tese de perda do objeto da ação civil pública.
No caso concreto, o Ministério Público aponta precisamente a ausência de comprovação das medidas ambientais e de infraestrutura indispensáveis à finalização do REURB, como a recuperação da faixa de preservação permanente e a efetiva ligação das edificações à rede pública de esgotamento sanitário. Essas pendências, se confirmadas, representam descumprimento direto dos deveres legais previstos nos artigos 11, § 2º, e 35, VI, IX e X, da Lei n. 13.465/2017, e revelam que o procedimento administrativo ainda não alcançou o grau de completude material exigido para a regularização definitiva do loteamento.
Nessas condições, a extinção do feito sob o fundamento de perda superveniente do interesse processual não se sustenta. Enquanto não demonstrada a execução integral das medidas constantes do PRF e o adimplemento das obrigações formalizadas no Termo de Compromisso, subsiste o interesse de agir do Ministério Público na fiscalização judicial da efetividade do processo de regularização.
A tutela jurisdicional coletiva, ademais, não se limita à verificação do cumprimento formal do procedimento administrativo, mas visa a garantir que a regularização fundiária produza resultados efetivos em matéria ambiental, urbanística e social. A conclusão do REURB sem a implementação das compensações obrigatórias equivale a uma regularização apenas nominal, insuficiente para a finalidade pública do instituto.
3. Diante disso, impõe-se a reforma da sentença para reconhecer a subsistência do interesse processual e determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que seja reaberta a instrução e comprovada a efetiva conclusão do REURB em todos os seus aspectos, inclusive quanto às compensações ambientais e urbanísticas previstas no projeto e no Termo de Compromisso respectivo.
Intimem-se e, transitada em julgado esta decisão, dê-se baixa.
assinado por MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA, Desembargadora Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7074217v8 e do código CRC a8e49b5a.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARIA DO ROCIO LUZ SANTA RITTA
Data e Hora: 13/11/2025, às 17:32:41
5023419-26.2021.8.24.0020 7074217 .V8
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 15:22:18.
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